Residência Pouso Geométrico

O ano era 1969 quando o arquiteto e urbanista William Ramos Abdalla foi convidado a projetar uma residência para sua irmã, a poeta Leila Ramos Abdalla Geo. O local escolhido para receber a obra não poderia ser mais instigante e admirável: aos pés da Serra do Curral e às margens da Praça do Papa.

Emoldurada pela bela paisagem, a casa, batizada de Pouso Geométrico, ganhou formas através da inspiração que veio do movimento brutalista, expressão arquitetônica nascida no pós-guerra, entre 1945 a 1948, e que marca intensamente as obras de Abdalla. O estilo se destaca pelo uso do concreto aparente, que reflete as obras de Le Corbusier, ou seja, trata-se de construções com um viés mais sóbrio, cuja atmosfera faz alusão ao conflito mundial que devastou a Europa na década de 1940.

No entanto, para além desse forte significado, a casa Pouso Geométrico também reverbera a natureza que abrange o local. Assim, essa relação íntima com a Serra do Curral direcionou o partido arquitetônico do edifício que, inicialmente, seria composto por dois grandes balanços estruturados por quatro esbeltos pilares, conformando uma composição arquitetônica volumétrica coberto por paraboloides hiperbólicos, marco da obra de Abdalla.

Porém, é nesse momento que, de forma poética, Leila Geo, irmã e cliente de Abdalla, inspirada pela vista panorâmica do lugar, expressa uma ideia através de um gesto com os braços, indicando o movimento de arcos. Ali, ela refletia o desejo de trazer a montanha para a residência. Dessa forma, a partir desta inspiração proferida pela cliente junto ao partido volumétrico, foi definida a solução da grande cobertura suportada por generosos arcos de concreto aparente, como também o espaço técnico de serviço intermediário entre a cobertura e o volume da casa, propriamente dito.

O sombreando advindo deste partido de uma cobertura, ao invés do inicial volumétrico, integrou a edificação no contexto paisagístico com propriedade. Essa implantação paisagística gerada pela expressiva cobertura ao pé da Serra do Curral é responsável pelo codinome da edificação, o “Pouso Geométrico”, pois, o primeiro partido, o “Voo Geométrico”, não se adequou ao contexto paisagístico do lugar – “O espírito do lugar” (Genius loci).

Ao soltar o edifício do terreno, Abdalla cria pilotis abertos que garantem o caráter escultórico à residência, além de permitir a fluidez do espaço e da paisagem. O térreo abriga a garagem, a entrada principal, a área de serviços, área de lazer e a piscina, além do acesso ao subsolo, onde encontramos um amplo ateliê e o pátio.

Já as áreas sociais e de cocção, no primeiro pavimento, são marcadas pela horizontalidade e a presença constante da paisagem, emoldurada pelos pilares, pisos em imbuia e forro em Pinho-de-Riga, cuidadosamente desenhados pelo arquiteto. Os diversos níveis criados entre os ambientes dramatizam e eliminam a obviedade do percurso, característica que se repete pela área íntima, no segundo pavimento.

A plasticidade do concreto foi explorada por Abdalla, que projetou a estrutura explícita à edificação, que emoldura o volume interno predominante na composição. O recuo desse volume e o abarcamento pelos pórticos ajudam a suavizar o calor nas faces da residência.

As mísulas horizontais conectam-se às lajes em grelha aos pilares, de modo que este recuo gere um contraste de brilho e sombra, o que confere um caráter barroco às vigas superiores, em formas de arcos de seções côncavas e variáveis. A cobertura sombreando o volume da edificação predominou. Assim, o que foi o “Voo” se transformou em “Pouso Geométrico”.

William Ramos Abdalla opta pela distinção entre elementos portantes e de vedação, privilegiando claramente as faces do edifício, onde sobressaem os elementos estruturais. Nas fachadas norte e sul, o arquiteto lança mão de grandes planos de vidro, se opondo às fachadas leste e oeste, onde grandes planos de vedação opaca se intercalam com feixes de luz naturais, garantindo privacidade ao interior da residência.

A fachada oeste é contornada por muros de pedras e o gradil sinuoso, presente em várias obras do arquiteto, que resguardam o jardim, onde a área gramada marca a transição entre o público e o privado. A edificação se destaca da paisagem através do uso de diversos materiais e texturas, predominando a interação entre a transparência e os planos opacos, revelando que a simplicidade do programa não limitou a liberdade de criação, que resultou em espaços dramáticos, fluidos e funcionais.

A obra impressiona por sua grandiosidade e detalhes, chamando atenção de inúmeros arquitetos, paisagistas e entusiastas da arte. É o exemplo da arquiteta e urbanista Beatriz de Abreu e Lima, mestre em Projeto de Arquitetura pelo Design Research Laboratory – Architectural Association School of Architecture e professora do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.

“Para mim, em termos de espacialidade, a casa Pouso Geométrico é o primeiro projeto do arquiteto William Ramos Abdalla que investiga o que depois seria muito mais desenvolvido em sua arquitetura: a continuidade interior/exterior. Depois de Bagdá, isso se desenvolveu e deu origem a noções mais aprofundadas, bem como a sobreposição de interior/exterior, ou seja, a ambiguidade do estar. E onde podemos constatar esta continuidade interior/exterior na casa Pouso Geométrico? No espaço do estar, onde é projetada uma floreira interna de tamanho generoso, no limite entre interior/exterior, próximo ao plano de esquadrias de vidro. Esta floreira, um verdadeiro jardim, se une com a visão das árvores externas e promove a sensação de estarmos lá fora, mesmo sem estarmos fisicamente”, afirma a arquiteta.

Visitada por pessoas de várias partes do Brasil e do mundo, a residência já chamou a atenção até mesmo de outros grandes mestres da arquitetura, como da renomada arquiteta iraquiana Zaha Hadid (1950-2016), em visita realizada por ela a Belo Horizonte. A casa Pouso Geométrico foi considerada uma das obras mais admiráveis segundo seu olhar sempre inspirador.

Tantas histórias e inspirações fazem da residência um excelente espaço para receber a mostra Modernos Eternos 2020 que, em formato virtual, dará vida a novos ambientes que respiram arte, arquitetura e designs arrojados e vivos.

William Ramos Abdalla

William Ramos Abdalla

Mineiro de Pirapora, William Ramos Abdalla é arquiteto e urbanista, formado pela UFMG, pós-graduado pela UnB, especialista em Arquitetura pela University of London e mestre em Geografia e Tratamento da Informação Espacial pela PUC Minas. Atualmente, tem escritório próprio e é professor da PUC Minas. Seu conceito arquitetônico enquadra-se na visão holística, desde o estético ao social, cuja dinâmica constante é a busca pelo movimento, uma arquitetura fluida e dinâmica. Projetou mais de 100 obras presentes em MG, DF, RJ, AC, Argélia e Iraque. É autor dos livros “A Arquitetura do Pensar” e "O Potencial de Desenvolvimento Tecnológico da Região Metropolitana de BH". "Sob o ponto de vista antropológico, nosso corpo é a nossa casa, que projetamos no espaço com a arquitetura. O conceito de Mãos Inteligentes é a interpretação do corpo atuando por inteiro em todas as etapas do projeto de arquitetura: desde a fase de concepção (o Verbo), processo (o Adjetivo) e o resultado (o Substantivo)" afirma.
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